sábado, 18 de outubro de 2008

Luto por viuvez

Por cada luto que fica por fazer, por cada encolher de ombros que evita o mergulho na tristeza, cresce em nós uma pasta de assuntos pendentes, que vamos acartando, vida fora, cada vez mais densa e mais pesada” (Leal, Isabel, 2005).

A leitura desta frase, e do restante texto que o acompanha na “Notícias Magazine” de 26 de Junho de 2005, forneceu-nos o mote para escrever sobre um assunto sobre o qual trabalhámos e investigámos durante cerca de 3 anos. Consideramos este texto, mas a frase em particular, de uma clareza e objectividade surpreendentes. Com a leitura deste texto ficamos a entender que o luto precisa de ser trabalhado, de ser processado, apesar da dor, da tristeza, do desespero, da saudade, da solidão, da angústia que o acompanha. Porque trabalhar o luto significa entendê-lo como uma experiência que precisa de ser trabalhada, no sentido de que envolve todo um conjunto de emoções, sentimentos, recordações, pensamentos, desafios, marcantes para a experiência humana. Podemos afirmar que se trata da aprendizagem de uma tarefa que precisa de ser realizada em alguma etapa da nossa vida. Trabalhar o luto significa confrontar todas estas emoções e sentimentos associados à perda da pessoa querida. Não se trata, no entanto de romper os laços que unem a pessoa enlutada ao morto, mas antes dar-lhes um outro significado, de aprender a viver com as recordações, com as lembranças, com a perda.
No entanto, o luto não é só uma experiência a trabalhar, é mais do que isso. No caso das mulheres viúvas, o luto é um processo dinâmico, cognitivo e que envolve mais aspectos (além daqueles associados à própria perda) que precisam de ser lidados e confrontados, como é o caso das exigências da vida diária, onde podemos incluir a realização de tarefas antes levadas a cabo pelo falecido marido (caso do IRS), reestruturação da identidade (desempenho do papel de viúva), cuidar dos filhos (tarefa antes partilhada com o marido), implicações financeiras e na saúde (alteração da sua situação económica e agravamento de uma doença já existente), mudar-se para uma casa mais pequena. Estes aspectos funcionam como stressores secundários à perda e, também, eles causam elevados níveis de ansiedade e de aborrecimentos. São aspectos para os quais a viúva orienta a sua atenção, confrontando-os, lidando com eles, ao mesmo tempo que se vai adaptando à perda. Fazem parte de uma reorganização, de um restabelecimento, também ele parte de todo o processo, pois envolve lidar com mudanças surgidas em resultado da perda. E se, inicialmente, o processo é dominado pela focalização da atenção da viúva na própria perda, à medida que o luto se prolonga no tempo, a atenção da viúva dirige-se para as tarefas de restabelecimento podendo, no entanto, se assim o quiser, orientar a sua atenção, novamente, para aspectos relacionados com a perda, evitando lidar com aqueles relacionados com o restabelecimento. Por outro lado, haverá momentos em que a viúva evitará lidar com as tarefas de restabelecimento e decidirá confrontar os aspectos relacionados com a perda. Este vaivém entre o confronto e o evitamento dos diferentes stressores (perda e restabelecimento) é o aspecto essencial na adaptação à perda e do próprio processo de luto, conferindo-lhe dinamicidade.
Mas nem sempre a viúva estará a lidar com os dois tipos de stressores, ela poderá optar por não lidar com qualquer um deles, preferindo “tirar um tempo” e orientar a sua atenção para assuntos que não se relacionem com qualquer um deles, como ver um filme, ler um livro, sair com amigos, ir ao cinema. O que é importante é que a viúva não foque a sua atenção somente num dos stressores evitando lidar com o outro tipo. Para que a adaptação à perda se faça e o processo de luto se desenvolva é necessário que haja um equilíbrio neste vaivém, nesta oscilação entre os dois tipos de stressores. Processar o luto não pode constituir-se como uma experiência a ser evitada. Vivê-la, experienciá-la, seja através da oscilação referida, seja através de um conjunto de etapas, é algo que necessita de ser feito. Caso contrário, tal como Isabel Leal afirma a pasta de assuntos pendentes vai-se tornando cada vez mais pesada e, acrescentamos nós, dolorosa. Muitas vezes, contudo, a viúva não sabe como lidar com este acontecimento que é a perda da pessoa querida, procurando apoio e suporte nas pessoas mais próximas, como a família ou os amigos. Como este apoio não se prolonga no tempo, a viúva sente necessidade de procurar ajuda para processar o luto. Pode, então, recorrer aos serviços de apoio prestado por Grupos de Apoio, Programas ou Associações de Apoio às pessoas enlutadas. Os serviços prestados baseiam-se na partilha mútua de problemas e de experiências idênticas através da entre-ajuda. Nestes Programas, Grupos ou Associações o carácter comunitário é realçado ao minimizar as barreiras existentes entre as pessoas enlutadas, proporcionando um ambiente de partilha, legitimando as necessidades de cada pessoa e a sua capacidade em usar a própria experiência em benefício de outra pessoa.
Estes programas têm, pois uma natureza educativa, na medida que envolve uma aprendizagem que a viúva, com ajuda, irá realizar. Esta aprendizagem envolve a adaptação a uma nova realidade, como é o caso da mudança de papéis (de esposa para viúva). A viúva terá de desenvolver estratégias que a ajudem nesta adaptação à perda, podendo, assim, beneficiar da ajuda dum programa de apoio ou de um grupo. Trata-se, pois, de ajudar as pessoas enlutadas a fazer o trabalho de luto.
Dores Silva
Professora do 1º Ciclo do Ensino Básico